MAR ME QUER
Excerto
Digo-lhe, Dona: quando ficamos calados, igual uma pedra, acabamos por escutar os sotaques da terra. A senhora num certo momento, há-de ouvir um chão marinho, faz conta é um mar sob a pele do chão. Aproveita esse embalo, Dona Luarmina. Eu tiro boas vantagens desses silêncios submarinhos. São eles que me fazem adormecer ainda hoje. Sou criança dele, do mar.
– Lá criança, sim. Você há muito que esqueceu a idade.
– Sabe o que dava jeito? Era a gente os dois nos combinarmos, está a perceber, Dona Luarmina?
– Ajuíze-se, Zeca.
– Faz conta somos verbo e sujeito.
– Já conheço essa sua gramática…
– A senhora, minha boa Dona, nem sabe quanto enriquece minha retina.
Mia Couto